A reconstrução político-social e as revivescências religiosas

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“Que os espíritos amparem a revolução”: o projeto não secular da UNITA para uma modernidade encantada

Tomás Diel (IHC – NOVA FCSH / IN2PAST)

O período histórico da Guerra de Independência de Angola (1961-1974) contou com a participação de três organizações políticas que, simultaneamente, guerrearam entre si e contra o domínio colonial português em busca de legitimação política. Uma dessas organizações foi a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), liderada por seu membro fundador: Jonas Savimbi. Durante os anos deste conflito, a UNITA procurou conceber a independência de Angola sob a égide de um projeto político pragmático de “modernização não secular”. Perspectiva de projeto político de modernização que seria divergente de outros modelos históricos seguidos no Ocidente e na Ásia oriental. Apesar de manter uma retórica voltada para perspectivas de racionalização política de orientação marxista (UNITA, 1973), a organização fez questão de não adotar a visão modernista weberiana do conceito de “desencantamento” religioso (Jenkins 2000) e de secularização do campo social (Ellis e Haar 1998). Especialmente, quando da necessidade de angariar apoio popular perante as populações rurais do interior angolano (Muekalia 2015). Dessa maneira, a UNITA desenvolveu um programa político de “modernização não secular” com características particulares à África e a Angola que comungou, intencionalmente, com princípios religiosos locais. Tal programa político combinou uma retórica de modernização política e de racionalização social importada com entendimentos sobre a manifestação (e discussão) aberta sobre crenças em práticas religiosas exógenas e locais.

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Até quando nos entenderemos como moçambicanos: a relação entre as práticas tradicionais e a moçambicanidade

Catarina Melo (Universidade Estadual do Ceará)

Com a realização da Conferência de Berlim, entre 1884-1885, e com a revelação dos objetivos das potências colonizadoras, nomeadamente, dominação, exploração e “civilização” dos povos africanos, deu-se início ao processo de destruição dos valores culturais, morais e, inclusive, da maneira de ser e estar africana. Aqui se destacam as práticas tradicionais que se constituem como um veículo de fé, crença e de proteção, que se manifestavam por intermédio da ligação entre os africanos (moçambicanos) e seus antepassados. Durante o tempo de colonização, para além de os colonos ignorarem toda a estrutura existente, a sua legislação previa a figura do assimilado – que era o indivíduo de raça negra ou descendente que abandonava inteiramente seus hábitos e costumes, falava, lia e escrevia em língua portuguesa, adotava a monogamia, exercia profissão, arte ou ofício compatíveis com a “civilização europeia” ou que tinha obtido, por meio lícito, rendimento que fosse suficiente para alimentação, sustento, habitação e vestuário seu e de sua família. Com a independência, a permanência de assimilados na linha de frente da FRELIMO e com a ideia de construção do Estado e da nação à semelhança dos Estados europeus, fez com que, formalmente, através da primeira Constituição da República, as práticas tradicionais fossem proibidas, o que contribuiu para que as mesmas fossem realizadas clandestinamente e que os moçambicanos não assumissem publicamente que ainda as realizavam. Com a democratização em 1990, tais concepções perduram até à actualidade, o que justifica o título da pesquisa: "Até quando nos entenderemos como moçambicanos?"

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Entre a herança colonial e os desafios da construção do Estado: a ação da Igreja Católica no período pós-colonial em Moçambique

Salvador Forquilha (IESE – Instituto de Estudos Sociais e Económicos)

Em 1977, dois anos após a independência nacional, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) – movimento que tinha liderado a luta anticolonial contra o regime colonial português – transformou-se em partido político de orientação marxista-leninista. Com um discurso contundente contra práticas tradicionais e religiosas, consideradas obscurantistas, a Frelimo estabeleceu, até ao início dos anos 1980, uma relação tensa com as diversas confissões religiosas, com destaque para a Igreja Católica, acusada de ter sido agente do regime colonial. Apesar desse contexto particularmente tenso, a Igreja Católica evidenciou-se como actor importante no processo da construção do Estado no período pós-colonial. Com base em trabalho de campo e focalizada nas intervenções da Conferência Episcopal de Moçambique, esta comunicação procura interrogar os factores que estruturam a ação da Igreja Católica no contexto da construção do Estado pós-colonial a partir de três principais desafios da sociedade moçambicana contemporânea, nomeadamente a Guerra Civil, o processo da construção democrática e a insurgência no Norte de Moçambique.

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O debate no Islão contemporâneo em Moçambique e o seu contributo na promoção da cultura da paz

Chapane Mutiua (Centro de Estudos Africanos, UEM)

Este artigo centra-se na análise dos debates gerados dentro do islão contemporâneo em Moçambique, no seu diálogo com a colonização, os discursos secularistas e no seu contributo na construção da cultura de paz assente na convivência inter e multi-religiosa. Este estudo é baseado na revisão de literatura, pesquisa de arquivo, análise de discursos proferidos por alguns shuyukh em programas difundidos nas redes sociais (Facebook e WhatsApp) e entrevistas colhidas através de pesquisa de campo. A construção do argumento inicia com a discussão do conceito de “contemporâneo” no islão e na sociedade moçambicana e continua com a análise do percurso histórico da institucionalização do que hoje se chama islão contemporâneo e o seu diálogo com a modernidade, a colonização e a secularização. A última parte caracteriza as abordagens, discursos e tópicos no islão contemporâneo em Moçambique e o seu impacto no processo de construção de uma cultura de paz e de convivência inter e multi-religiosa, e no fim apresenta as notas conclusivas.

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Monte Halavala e os akokoto: continuidades e rupturas

Iracema Dulley (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)

Nesta apresentação, exploro narrativas passadas e presentes sobre o Monte Halavala e os akokoto, monumentos localizados no Bailundo, Angola, nos quais estão depositadas as ossadas dos governantes locais, enterrados no seu interior durante séculos. Os akokoto indexam os diversos contextos pelos quais passou Angola central: as formações políticas autônomas governadas por sobas comerciantes que antecederam a efetivação da administração colonial na região; a resistência local à colonialidade do poder expressa na oposição das missões cristãs aos ditos ritos pagãos durante o domínio português; a negociação com as forças do capitalismo no pós-guerra, quando foram implantadas antenas de telefonia móvel no Monte Halavala sem que este, no entanto, perdesse o seu significado histórico. Por conter os crânios – e, portanto, o poder dos antepassados locais –, a materialidade dos akokoto permite o estabelecimento de ligações parciais entre as diferentes práticas de simbolização que tiveram lugar no Planalto Central ao longo de temporalidades distintas, mas sobrepostas, da história angolana. A minha apresentação investiga algumas dessas ligações, bem como o tipo de relação com a alteridade no tempo que elas parecem implicar: uma relação em que a retribuição da oferta por parte daqueles que nos precederam existe como possibilidade, mas que não é garantida.