Práticas, discursos e suas reverberações nos séculos XVI-XIX

Moderação:  Carlos Almeida (CH-ULisboa)

Sala:


A tradução bíblica de João Ferreira de Almeida: as raízes coloniais de um patrimônio literário-religioso da língua portuguesa (1642-1691)

Luís Menezes Fernandes (Universidade de Coimbra, Centro de Literatura Portuguesa)

A partir do início da Idade Moderna, foram produzidas importantes traduções bíblicas para os idiomas europeus, seja por influência do Humanismo, seja como resultado da Reforma Protestante. Algumas delas, inclusive, tornaram-se verdadeiros símbolos nacionais, como a tradução alemã de Lutero, a King James Version, em inglês, e a Statenvertaling holandesa. Perante essas e outras versões análogas, a primeira tradução da Bíblia em português caracteriza-se por uma singularidade: foi a única produzida em domínios coloniais. Aliás, não em alguma colônia portuguesa, mas em possessões holandesas no Sudeste Asiático. E a tradução de Almeida carrega em seu âmago, inevitavelmente, a marca profunda do colonialismo. Tal marca, porém, não se revela exatamente numa resistência anticolonial por parte do tradutor. A questão colonial surge nesse caso de uma maneira, a nosso ver, paradoxal: em vez de estimular uma oposição entre metrópole e colônia, o tradutor português parece ter buscado fortalecer o elo criado, em torno da língua portuguesa, entre diferentes partes do mundo, de modo a projetar uma versão bíblica que transcendesse, no espaço e no tempo, a sua origem colonial. É esse aspecto que pretendemos desvendar nessa comunicação, trazendo uma perspectiva inovadora sobre uma tradução da Bíblia ainda hoje amplamente distribuída em todo o mundo lusófono.

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Colonização e Igreja Católica a partir da obra Costumes e Riquezas de Goiás, do redentorista Padre Francisco Wand: aspectos de uma consciência religiosa missionária no interior do Brasil

Robson Rodrigues Gomes Filho (Universidade estadual de Goiás)

A obra Costumes e Riquezas de Goiás: Histórias Contadas por Um Missionário no Brasil Central, escrita pelo missionário redentorista José Francisco Wand, entre 1922 e 1924, compõe um retrato importante do Brasil e de Goiás nas primeiras décadas do século XX. Mais que isso, cioso de compor uma obra de cunho histórico-religioso, Wand procurou descrever a história de Goiás desde o período colonial, apontando para elementos que demonstram o tipo de interesse e consciência histórica sobre o passado colonial brasileiro que um missionário alemão no interior do Brasil desenvolveu. Ali, tanto a memória, quanto o esquecimento produzidos pelo autor sobre aspectos da colonialidade brasileira são referências importantes para compreendermos a presença ou ausência de uma autocrítica histórica da Igreja Católica sobre seu papel na colonização das Américas. Face a isso, a presente comunicação tem por propósito analisar a obra Costumes e Riquezas de Goiás a partir do viés da história intelectual, de modo a compreendermos de que maneira a presença/ausência de determinadas interpretações sobre o passado colonial brasileiro podem ser indícios de uma consciência histórica e religiosa de autocrítica católica sobre sua ação missionária no Brasil.

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D. Aires de Ornelas e Vasconcelos, o Padroado Português do Oriente e a Igreja Indiana (1874-1880)

Fernando Tavares Pimenta (Centro de Estudos de História do Atlântico – Alberto Vieira)

Esta comunicação pretende colocar em perspetiva o papel desempenhado por D. Aires de Ornelas e Vasconcelos, arcebispo de Goa e primaz do Oriente (1874-1880), no processo de governação político-eclesiástica do Padroado Português do Oriente, tendo em particular consideração a sua actuação em relação quer à Propaganda Fide, quer à Igreja Indiana. Neste sentido, D. Aires de Ornelas operou no sentido da preservação do Padroado Português nas vastas áreas sob dominação inglesa, nomeadamente em Bombaim, em Madrasta, no Golfo de Bengala, em Daca, no Bangladesh, na ilha de Ceilão, etc. Entre as suas “vitórias”, salienta-se a celebração de um modus vivendi com os vários vicariatos apostólicos da Propaganda Fide, que criou condições para o estabelecimento da paz no seio do catolicismo indiano e assegurou o reconhecimento da preeminência eclesiástica da Sé Metropolitana de Goa. Paralelamente, D. Aires de Ornelas valorizou o clero goês, maioritariamente nativo, defendendo-o das acusações de má preparação e de pouco zelo evangélico que lhe eram feitas pelos missionários europeus da Propaganda Fide. D. Aires de Ornelas teve igualmente uma intervenção decisiva na resolução do “cisma mellusiano” protagonizado por uma parte da Igreja do Malabar, os chamados “cristãos de São Tomé”, propondo a solução que grosso modo veio a ser efectivamente adoptada, ou seja, a aceitação pela Santa Sé do uso do rito siríaco e a nomeação de um prelado nativo para dirigir essa mesma comunidade, em troca da sua união a Roma. Assim, sem nunca pôr abertamente em causa os alegados benefícios da civilização europeia e sendo ele próprio representante de uma potência colonial, D. Aires de Ornelas teve um papel relevante no processo – ainda que porventura imberbe – de autonomização da Igreja Indiana.