Consciências religiosas e ruturas com o colonialismo

Moderação:  Pedro Oliveira  (IHC NOVA FCSH )

Sala:


D. Sebastião Soares de Resende, bispo da Beira (1940-1967): da colonização como um direito à mudança de consciência colonial e ao movimento de libertação de Moçambique

Maria Manuela Assis (Universidade do Minho)

Nesta comunicação, põe-se em destaque a clivagem no seio da Igreja face ao processo de descolonização, a consciência colonial e a metamorfose do pensamento de altas figuras católicas, nomeadamente de D. Sebastião Soares Resende, bispo da Beira. Pretende-se determinar o envolvimento de D. Sebastião nas dinâmicas de descolonização e no movimento de libertação de Moçambique. Na vasta obra, onde se encontram as suas mensagens religiosas, particularmente nas cartas pastorais e nos artigos publicados no Diário de Moçambique, bem como no espólio, D. Sebastião, confrontado com realidades de trabalho forçado e injustiças sociais do Estado português, em Moçambique, defende cada vez mais os interesses da Igreja, abandonando a sua abordagem nacionalista e afastando-se de outras figuras dos setores católicos. Descrevendo a grave crise social que ali se vivia, denunciou a exploração colonial, defendeu a abolição do Estatuto do Indigenato e a sua substituição por uma legislação portuguesa para todos os portugueses, solicitando aos católicos que tratassem os africanos como iguais e com plenos direitos de cidadãos do Estado português. A presente comunicação pretende igualmente destacar a posição de D. Sebastião quanto à libertação da então colónia, através da independência.

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Zedequias Manganhela: consciência cristã contra o colonialismo, repressão das igrejas cristãs minoritárias e dinâmicas ecuménicas

João Miguel Almeida (IHC/NOVA – Instituto de História Contemporânea; UAb – Universidade Aberta)

Em junho de 1972, a Direção-Geral de Segurança (DGS) prendeu em Machava, nos arredores de Lourenço Marques, 31 membros e pastores da Igreja Presbiteriana de Moçambique (IPM), entre os quais o presidente do Conselho Sinodal da IPM, Zedequias Manganhela, acusado de ter financiado a Frelimo. As detenções inseriram-se numa vaga de prisões de minorias religiosas, nomeadamente congregacionais, wesleanos, adventistas e sionistas. As relações entre o Estado Novo e a Igreja Católica consagradas na Concordata de 1940 e no Acordo de Missionário de 1941 atribuíam uma posição privilegiada à Igreja Católica na missionação e na colaboração com o projeto colonial português. No pós-II Guerra Mundial, os discursos de altos responsáveis católicos em Moçambique legitimavam uma atitude de combate face a comunistas, muçulmanos e protestantes, elementos vistos como tão ameaçadores para a “portugalização” como para a missionação católica. Este discurso católico sofreu alterações na década de 1960, com a aprovação de um decreto sobre liberdade religiosa no Concílio Vaticano II, mas também resistências à sua aplicação, em especial no espaço colonial português, onde a diversidade religiosa contrastava com o caráter largamente maioritário do catolicismo na metrópole. O facto de, na mesma prisão onde foi encarcerado o pastor Manganhela, se encontrarem também presos dois padres católicos espanhóis de Burgos, Alfonso e Martin, por terem denunciado os massacres de Mukumbura portugueses, e dois padres portugueses, Teles Sampaio e Fernando Mendes, por, entre outras tomadas de posição, se terem solidarizado com os padres de Burgos, é sintomático das mudanças entre religião e política no período final do colonialismo português. A crítica ao colonialismo português a partir de uma consciência cristã incentivou novas dinâmicas entre uma parte da Igreja Católica e confissões cristãs protestantes.  A reação à prisão e morte do pastor Zedequias Manganhela na prisão de Machava, na noite de 10 para 11 de dezembro de 1972, deixou patente uma dinâmica ecuménica no anticolonialismo cristão e a dimensão católica desse ecumenismo, geradora de solidariedades de católicos e protestantes, em África e na Europa, no protesto contra mais uma manifestação de violência colonial.

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A Igreja Católica e a descolonização de Moçambique, entre princípios, reforma e guerra

Eric Morier-Genoud (Queen’s University Belfast)

A Igreja Católica no Império Português é muito conhecida como tendo sido a favor do colonialismo. Mas a situação mudou profundamente nos anos 1960 e ainda mais nos anos 1970. Esta apresentação centra-se na evolução do pensamento e posicionamento da Igreja em Mocambique. Analisa primeiro as várias posições a favor e contra a descolonização. Analisa a seguir como as reformas do Concílio Vaticano II mudaram os equilíbrios e a dinâmica política dentro da Igreja. Finalmente, a apresentação analisa o impacto da violência (inclusive massacres) no posicionamento da Igreja em Moçambique. A apresentação baseia-se em pesquisas em vários arquivos da Igreja, assim como em entrevistas com vários atores deste período histórico.

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O testemunho do padre John Paul face às narrativas contemporâneas sobre os crimes contra a humanidade perpetrados no Niassa nos anos 1960

João-Manuel Neves (Centro de Estudos Comparatistas, Universidade de Lisboa)

Com esta comunicação, propõe‑se confrontar a narrativa de vida Moçambique: Memórias de Uma Revolução, do padre John Paul, sobre o Niassa dos anos 1960, com textos historiográficos e estéticos contemporâneos sobre esta região no mesmo período. O testemunho deste missionário, responsável pela importante comunidade anglicana residente na margem oriental do lago Niassa, descreve em pormenor tanto a devastação, como os massacres perpetrados contra as populações por unidades do exército colonial. Como o texto demonstra, estas atrocidades constituem verdadeiros crimes contra a humanidade, prefigurando a estratégia militar adotada alguns anos mais tarde ao longo da margem sul do Zambeze pelo fascismo português, considerada pela ONU, em 1974, como uma forma de genocídio. Os textos em análise relevam, no primeiro caso, o do historiador Andreas Zeman, de um modo do regime de verdade do africanismo que nega a amplitude destes crimes com base numa historiografia que remete sistematicamente para o logocentrismo do regime colonial, elaborada a partir dos arquivos do exército e da polícia política do fascismo. No segundo caso, o do escritor Paulo Faria, damos conta da extensão das aporias das atuais narrativas pós-memorialistas, trazendo à luz a extrema dificuldade das novas gerações perante os contornos genocidas assumidos pelas guerras portuguesas de África.