As igrejas ditas “estrangeiras” nos espaços coloniais

Moderação:  Ana Mónica Fonseca (CEI, ISCTE-IUL)

Sala:


Religião e solidariedade transnacional: igrejas e instituições religiosas do Canadá e o seu apoio às lutas sociais na África Austral (1972-1978)

João Victor Cristiano Scheffer (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul)

Criada no Canadá por uma coalizão de congregações religiosas em 1975, a Taskforce on Church and Corporate Responsibility (TCCR) surgiu a partir de demandas populares quanto à necessidade de se advogar pela responsabilidade social das corporações transnacionais canadenses que atuavam na África Austral, em especial as que lucravam com regimes opressores, em destaque para o sistema sul-africano do Apartheid. Tributária de influências dos EUA e da mobilização das igrejas estado-unidenses, as instituições religiosas do Canadá engajaram-se com vigor na luta pela justiça social na região. Atuando em protestos, ativismo acionista, boicotes e outras políticas contenciosas, estas múltiplas expressões religiosas cristãs do Canadá buscaram denunciar, frente à sociedade civil, o envolvimento de bancos e grandes mineradoras, expondo-os como financiadores da violência e do colonialismo na África Austral. Esta comunicação procurará retratar brevemente a atuação da TCCR e outros grupos canadenses similares. O foco será expor a articulação global que este movimento propôs movimentar, apresentando, através da análise de fontes documentais, os seus objetivos, sucessos e fracassos. Buscando não apenas apresentar o papel decisivo que as igrejas tiveram, procurar-se-á situar o esforço multisetorial da sociedade civil do Canadá, pondo em evidência os distintos laços de solidariedade existentes entre Norte e Sul global.

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A Missão do Dondi no planalto central de Angola: missionários canadenses entre o colonialismo e o anticolonialismo (1914-1968)

Marçal de Menezes Paredes (PUCRS, CNPq, CAPES)

Esta apresentação analisa o papel da Missão do Dondi, chamando atenção para o seu papel no contexto tanto da ascensão do colonialismo moderno, quanto no cenário de apoio à campanha anticolonialista. Oficialmente fundada em 1914, a Missão do Dondi apresenta a articulação de missionários norte-americanos e canadenses nas terras do reino do Bailundo. Esta investigação congrega pesquisa em arquivos no Canadá sobre a fundação e o trabalho de missionários congregacionalistas, com informações coletadas em trabalho de campo e entrevistas realizadas na própria Missão do Dondi, em 2023, província de Huambo, Angola. Analisa particularmente o papel dos missionários canadenses na Missão do Dondi, estabelecendo relações entre dois momentos distintos. O primeiro, a montante do colonialismo, através da obra Drums of Darkness (1927), de autoria do reverendo John Tucker, onde se encontram referências interessantes sobre, por exemplo, a ombala do Bailundo, no início do século XX. O segundo momento, a jusante do colonialismo, através da obra do reverendo Sid Gilchrist, Angola Awake (1968), onde aparece uma significativa mea culpa sobre a relação entre o colonialismo e os missionários – e que será o elo da mudança de posicionamento da United Church of Canada no sentido crítico à presença salazarista em Angola.

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“Em busca de uma alma portuguesa”: narrativas de lealdade/deslealdade no contexto do trabalho missionário dos metodistas americanos no Norte de Angola nos inícios dos anos 60

Jairzinho Pereira

(Centre of Mission and Global Studies,VID Specialized University of Stavanger)

15 de março de 1961. No norte de Angola, os rebeldes, maioritariamente filiados na União dos Povos de Angola (UPA), iniciaram uma série de ataques, que resultou num verdadeiro massacre. Um número muito elevado de homens, mulheres e crianças, incluindo europeus brancos, foi impiedosamente chacinado. Em certa medida, os ataques de meados de março marcaram o início da Guerra Colonial portuguesa. Foram uma resposta ao sistema económico brutalmente explorador imposto pelo regime colonial português aos angolanos. A matança precipitou-se pela decisão dos proprietários portugueses das plantações de responderem a alguns pequenos protestos dos trabalhadores abrindo fogo sobre estes. No entanto, o governo português fechou os olhos às acções destes proprietários e concentrou-se em encontrar bodes expiatórios convenientes. Os “comunistas” e os missionários protestantes estrangeiros encaixavam-se nessa categoria. A minha comunicação pretende desvendar as complexidades das narrativas de lealdade/deslealdade ligadas aos processos que conduziram, em setembro de 1961, à prisão, acusação e expulsão de quatro missionários metodistas americanos pelo Estado português. Estes missionários eram os reverendos Edwin LeMaster, Marion Washington Way Jr., Wendell Golden e o missionário leigo Fred Brancel, todos acusados de “actividades subversivas” contra o Governo português na sequência da rebelião de meados de março de 1961. A minha comunicação procura contextualizar as narrativas de lealdade/deslealdade olhando para lá das interacções entre o regime português e os missionários americanos metodistas ou a sua congregação. Por outras palavras, procuro uma abordagem histórica interligada das narrativas de lealdade/deslealdade relacionadas com o trabalho missionário no Norte de Angola pós-II Guerra Mundial.